Manuscrito

Comunicação [11/03/1864]

Sociedade de Paris

Sessão de 11 de março de 1864

Médium: senhorita Béguet

Meu amigo, meu coração sofre há muito tempo; não sei o que se passa comigo, algo vago e inerente às minhas ideias habituais; tenho temores, medo, estremeço como se um perigo se aproximasse; vejo ao longe despontar uma nuvem negra; o horizonte está acinzentado para mim e temo uma tempestade. Essa declaração lhe parece extraordinária, não sabe aonde este amigo desconhecido quer chegar. Veja: um dia eu estava sozinho, pensativo, observando o céu e chorando. O quê!, eu exclamava! Dizem que, para além dessas nuvens, há algo ainda mais belo, que lá a alma descansa e sorri de felicidade; mas quem pode me provar? Os homens dizem isso, alguns o asseguram, a maior parte nega; em quem acreditar?

Em seguida, minha alma, comovida e trêmula, continuou suas meditações. Ah! Eu estava indo longe, muito longe, àquelas regiões inatingíveis; perdido, aniquilado, eu caía novamente nesta terra de dor.

Tendo estudado muito, acreditando saber muito, tomei por princípio meus estudos passados e concluí, com base nos ensinamentos da maior parte dos estudiosos, que talvez a alma pudesse ser imortal, mas que nada até hoje o comprovou. Todos os homens morrem, dizia a mim mesmo, todos partem para a eternidade, nenhum voltou para nos dizer: é preciso ter esperança, orar, amar, consolar para ser consolado. Daquele dia em diante, escrevia muito, criticava tudo, zombava de tudo, censurava todos os ensinamentos; pregando a incredulidade, fiz com que o ateísmo recebesse as honras que jamais, em século algum, lhe haviam sido dadas. Com meus escritos, perdi toda uma geração /2/ estudiosa, inteligente, que poderia ter feito grandes coisas e que deu origem a um terrível erro, o qual conduziu a maior parte dela à sua perda moral e, mais tarde, à sua perda física.

É assim, queridos irmãos, que um homem que havia recebido do céu inteligência, profundidade de ideias e amor ao bem empregou todos esses dons para combater a verdade. Afastei-me da meta ao querer me imortalizar; entreguei-me à morte moral. Venho, por isso, pedir-lhes misericórdia e, na frente de toda a sociedade, digo: estou sofrendo e sendo punido. Mas Deus é tão bom que eu, que tanto o ofendi, reconheço que merecia um castigo maior ainda e que sua bondade supera os meus erros. Abandono, então, diante de todos, o meu manto de orgulho e, pleno do sentimento de humildade, peço algumas orações e o esquecimento do mal que fiz com os meus escritos.

Sou eu o culpado - Voltaire.

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Société de Paris

Séance du 11 Mars

1864

Méd. Mlle. Béguet

Mon amie, mon cœur souffre depuis longtemps ; il se passe en moi je ne sais quoi de vague <d’inhérent> à mes idées habituelles, j’ai des craintes, j’ai peur, je tremble comme à l’approche d’un danger ; je vois au loin poindre un nuage noir, l’horizon pour moi est grisâtre et je crains une tempête. Cette allocution te paraît extraordinaire, tu ne sais où veut en venir cet ami inconnu. Voici : un jour j’étais seul pensif regardant le ciel en pleurant : Quoi ! m’écriai-je ! On dit que par delà ces nuages, il y a plus beau encore, que là-bas l’âme se repose et sourit au bonheur ; mais qui peut me le prouver ? Les hommes le disent, les uns l’assurent, la plupart le nient, qui faut-il en croire ?

Puis mon âme émue, tremblante, continuant ses méditations. Oh ! j’allais loin, bien loin dans ces régions que l’on ne peut atteindre ; perdue, anéantie, je retombai sur cette terre de douleur.

Ayant beaucoup étudié, croyant beaucoup savoir, je prenais pour principe mes études passées, et je conclus d’après les enseignements de la plupart des savants que, peut-être l’âme pouvait être immortelle ; mais que rien jusqu’à ce jour ne le prouvait. Tous les hommes meurent, me disais-je, tous partent pour l’éternité, aucun n’est revenu nous dire : il faut espérer, il faut prier, il faut aimer, il faut consoler pour être consolé. De ce jour j’écrivis beaucoup et je critiquai tout, je me moquai de tout, je censurai tout enseignement ; prêchant l’incrédulité je fis rendre à l’athéisme les honneurs que jamais dans aucun siècle on ne lui avait donnés. Je perdis par mes écrits, toute une génération /2/ savante intelligente qui eût pu faire de grandes choses et qui n’enfanta qu’une erreur terrible qui conduisit la plupart à leur perte morale, plus tard à leur perte physique.

C’est ainsi chers frères qu’un homme qui avait reçu du ciel intelligence, profondeur d’idées, amour du bien, employa tous ces dons à combattre la vérité ; je me suis éloigné du but en voulant m’immortaliser, je me suis donné la mort morale. Je viens donc en ce jour vous demander grâce, et en présence de toute la société je dis : je souffre, je suis puni ; mais Dieu est si bon ; moi qui l’ai tant offensé, je reconnais que je méritai plus de châtiments encore, et que sa bonté dépasse mes méfaits. Je quitte donc devant vous tous, le manteau de l’orgueil et plein du sentiment d’humilité, je demande de vous quelques prières et l’oubli de ce que j’ai fait de mal par mes écrits.

Je suis le coupable - Voltaire.

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