Manuscrito

Carta de Allan Kardec para Amélie Boudet [20/09/1861]

Lyon, 20 de setembro de 1861.

Minha querida Amélie,

Eu te escrevo novamente sob a impressão da emoção do dia de ontem; são esses eventos que deixam na vida traços indeléveis. Era, como eu te disse, o dia do banquete; havia mais de 160 pessoas; tratava-se de pessoas que tentavam me dar um aperto de mão, ou mesmo me tocar; aqueles que puderam falar comigo estavam, creio, tão felizes como se tivessem falado a um rei; um pouco mais, havia alguns que, se tivessem ousado, teriam beijado o pano do meu casaco, tão grande era o seu entusiasmo. Fico pensando se os discursos foram calorosos. O meu produziu uma grande sensação, assim como o de Erasto, que todo mundo justamente aplaudiu e apreciou!

(Tive que interromper minha carta e só pude retomá-la hoje, sábado).

Para voltar ao banquete, foi uma coisa ao mesmo tempo admirável e tocante; o comissário de polícia que havia sido convidado chorou de emoção e me cumprimentou com efusão. Após os meus discursos, falei de improviso durante quase quarenta e cinco minutos, sem preparação, sem projeto premeditado e sem estar minimamente intimidado diante daquela numerosa assembleia, à qual vieram assistir pessoas diretamente de Mâcon e de outros lugares.

Ontem, sexta-feira, visitei grupos em diferentes pontos da cidade e mais de uma milha distantes uns dos outros; lá, o mesmo acolhimento, o mesmo entusiasmo; falei das dez e meia da manhã às nove horas da noite, exceto durante os trajetos; voltei extenuado. Esta manhã tomei um banho que me fez muito bem. Hoje à noite vou a outra

reunião, mas mais aristocrática, onde terei ainda muitas palavras a dizer.

Não é mais por centenas que se contam os espíritas em Lyon, é aos milhares. Em toda parte há médiuns, e entre eles, eu vi uns muito bons. Em um dos grupos havia um agente de polícia muito bom médium e muito bom espírita; depois um ferreiro, com figura e aparência de ciclope, também muito bom médium; homem grave, inteligente e que entre os seus faz muitos prosélitos. Ele é o dirigente de um grupo em Vaise, e como não pude ir até lá, ele foi me ver, como vários de seus adeptos, em uma das reuniões na cidade. Em suma, encontro aqui um progresso que eu estava longe de esperar, e o que há de particular é que em toda parte só se ocupam do Espiritismo de uma forma séria. Todas as vezes que introduzi o capítulo das experiências físicas, vi que isso interessava pouco; mas prestavam muita atenção quando se tratava das consequências morais e filosóficas. Minha viagem terá incontestavelmente uma repercussão imensa e fará um grande bem mesmo diante da autoridade. O partido das trevas só pode estar horrivelmente contrariado.

Meu tempo foi tomado de tal forma que não pude ir ver nenhum dos meus conhecidos. Eu pretendia partir amanhã, domingo, mas como quero ver o senhor e a senhora Rigolet, irei a sua casa no campo, o que adia minha partida para segunda-feira. Chegarei a Paris na terça-feira ao meio-dia.

Teu muito amado,

H.L.D.R.

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Lyon 20 7bre 1861.

Ma chère Amélie,

Je t’écris de nouveau sous l’impression de l’émotion de la <journée> d’hier, ce sont de ces évènements qui laissent dans la vie des traces ineffaçables. C’était, comme je te l’ai dit, le jour du banquet ; il y avait plus de 160 personnes ; c’était à qui pourrait me serrer la main, me toucher même ; ceux qui ont pu me parler étaient, je crois, aussi heureux que s’ils avaient parlé à un roi ; un peu plus il y en a qui, s’ils l’eussent osé, auraient baisé le pan de ma redingote tant était grand leur enthousiasme. Je laisse à penser si les discours ont été chaleureux. Le mien a produit une sensation profonde, ainsi que celui d’Eraste que tout le monde a justement applaudi et apprécié !

(Force m’a été d’interrompre ma lettre et je ne puis la reprendre qu’aujourd’hui samedi).

Pour en revenir au banquet, c’était une chose à la fois admirable et touchante ; le commissaire de Police qui y avait été invité a pleuré d’émotion, et m’a serré les mains avec effusion. Après mes discours, j’ai parlé d’abondance pendant près de trois quarts d’heure, sans préparations, sans dessein prémédité et sans être le moins du monde intimidé devant cette nombreuse assemblée, où des personnes sont venues tout exprès de Mâcon et autres lieux pour y assister.

Hier vendredi j’ai visité des groupes sur différents points de la ville et distants de plus d’une lieue les uns des autres ; là le même accueil, le même enthousiasme ; j’ai parlé depuis 10h ½ du matin jusqu’à 9 heures du soir, sauf l’interruption des trajets ; je suis rentré exténué. Ce matin je suis allé prendre un bain qui m’a fait beaucoup de bien. Ce soir je vais à une autre réunion, mais plus aristocratique, où j’aurai encore bien des paroles à dire.

Ce n’est plus par centaines que l’on compte les spirites à Lyon, c’est par milliers. Partout il y a des médiums, et dans le nombre j’en ai vu de très bons. Dans l’un des groupes, il y avait un sergent de ville très bon médium et très bon spirite ; puis un forgeron, à la figure et à la tournure de cyclope, également très bon médium ; homme grave, intelligent et qui parmi les siens fait de nombreux prosélytes. Il est chef d’un groupe à Vaise, et comme je n’ai pu y aller, il y est venu ainsi que plusieurs de ses adeptes à une des réunions de la ville. En résumé, je trouve ici un progrès que j’étais loin d’espérer, et ce qu’il y a de particulier, c’est que partout on ne s’occupe du Spiritisme qu’au point de vue sérieux. Toutes les fois que j’ai entamé le chapitre des expériences physiques, j’ai vu que cela intéressait peu ; mais on était tout oreille, quand il s’agissait des conséquences morales et philosophiques. Mon voyage aura incontestablement un retentissement immense, et fera un grand bien même vis à vis de l’autorité. Le parti noir seul ne peut qu’en être horriblement contrarié.

Mon temps a tellement été pris, que je n’ai pu aller voir personne de ma connaissance. Je comptais repartir demain dimanche, mais comme je tiens à voir M.r et M.e Rigolet, j’irai à leur campagne, ce qui renvoie mon départ à lundi. J’arriverai à Paris mardi à midi.

Ton bien affectionné,

H.L.D.R.

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