Manuscrito

Comunicação [DD/MM/AAAA]

]Lery[

Um espírito ante o tribunal

O Presidente: Martin, o senhor é acusado de vagabundagem e do delito de mendigar. O que tem a dizer em sua defesa?

Martin: Nada, senhor Presidente… É verdade que estou desabrigado e que mendiguei. Não vou mentir… Basta ser culpado perante a lei, não o quero ser perante a minha consciência.

O Presidente: Explique-se; quer dizer que a lei não é justa, segundo o senhor?

Martin: Oh, não, senhor Presidente; se a lei é essa, é porque Deus assim o quis, e eu me submeto, de todo meu coração, à vontade de Deus.

O Presidente: Belas palavras, mas não condizem com a sua conduta, visto que violou a lei e, por isso, desobedeceu à vontade de Deus.

Martin: Já que me solicita, senhor Presidente, vou explicar como isso não dependeu de mim. Isso, porém, vai desperdiçar seu tempo e não vai me justificar… pois a lei aí está.

O Presidente: Continue, Martin. O tribunal gostaria de ouvir suas explicações que possam atenuar a sua culpa, e o senhor mereceria a sua indulgência.

Martin: Obrigado, senhor Presidente. Não pretendo escapar das provações que Deus me envia, mas eu mesmo não as agravarei; acredito, inclusive, que estou obedecendo à sua vontade, aproveitando as boas disposições que ele lhe inspira e que o senhor me manifesta.

Não preciso recuar muito longe /2/ em meu passado. Como a maior parte dos empregados, trabalhei e me desgastei durante minha juventude… Enfim, não fui mais santo que os outros; pelo contrário, acabei mal, mergulhado em devassidão, aborrecido com o trabalho, degringolava… Eu estava quase caindo tão baixo que seria impossível levantar-me novamente, quando conheci um bom rapaz que falou comigo em uma língua completamente nova. Ele me fez compreender coisas às quais minha mente ainda não havia sido aberta. Não era, no entanto, um padre, e talvez tenha sido isso que me fez ouvir suas boas palavras, tão simples e tão convincentes que a persuasão entrava por si só em minha inteligência. Conquistada a minha razão, senti que também meu coração estava ganho. Estava contente comigo mesmo. Aos poucos, fui me livrando de meus maus hábitos que, a partir de então, inspiravam-me apenas vergonha e repugnância; e fiquei feliz por sentir que eu estava me tornando um homem, isto é, a criatura que Deus privilegiou, uma vez que lhe deu uma alma com a faculdade de conhecê-la por suas obras, o desejo e a esperança de vê-lo, um dia, como recompensa por suas boas ações.

Foi então que, após ter recuperado meu ânimo para trabalhar e ter acumulado algumas economias, fiquei doente… meus recursos rapidamente se esgotaram. Deus estava me fazendo expiar o meu passado. Resignei-me a ir ao hospital… Sempre temi o hospital, mas o que lá encontrei? Bons espíritos na forma dessas boas irmãs, cujas palavras trazem tanto alívio quanto seus cuidados… Foi aí que aprendi a compreender todos os tesouros da caridade. Elas não são ricas, essas boas irmãs, mas que bem elas fazem! Minha doença durou muito tempo; assim, logo que entrei em convalescença, fui retirado do hospital; meu lugar era esperado por outros que tinham /3/ mais necessidade do que eu… Meus amigos, então, ampararam-me durante algum tempo… minhas forças não voltavam, ninguém queria um empregado que acabara de sair do hospital, assustadoramente fraco e magro; debalde me apresentei em mais de cem oficinas… recusado… ofereci meus serviços para todo tipo de trabalho, e somente pelo meu pão; minha miséria inspirava desconfiança. Pedia a Deus para encurtar meu castigo, não por mim, mas para não ser mais um fardo para os meus companheiros… enfim, não podendo mais continuar essa prática, afastei-me deles; perambulei durante dois dias… depois, pressionado pela fome, estendi a mão… deixar-me morrer de fome seria suicídio, e preferi transgredir a lei dos homens a transgredir a de Deus.

A miséria que me traz diante dos senhores, a vergonha de comparecer diante de um tribunal, a desonra de uma condenação na polícia correcional: submeto-me a tudo isso com resignação. Não tenho nada contra os senhores, nem contra quem vai me condenar nem contra quem me prendeu… todos estão cumprindo o seu dever e são instrumentos da vontade de Deus. Ainda não expiei suficientemente os erros dos meus anos ruins, e agradeço a Deus, que teria me esmagado sob o peso da punição se a tivesse medido com rigorosa equidade.

O Presidente: Martin, o tribunal fica grato por tais sentimentos, que parecem sinceros, e é com pesar que se vê na necessidade de aplicar-lhe a lei…

Martin: Desculpe-me, senhor Presidente; ao sair do hospital, não pude encontrar trabalho… saindo da prisão, provavelmente não serei mais feliz… minha saúde talvez não melhore… Estou determinado a não roubar nem a me suicidar; não há /4/ um estabelecimento onde eu pudesse ganhar honestamente o pão trabalhando, em vez de mendigar novamente?...

…A pergunta do acusado continua sem resposta…

Martin: Que a vontade de Deus seja feita!

001
001
002
002

]Lery[

Un Spirite devant le Tribunal

Le Président - Martin, vous êtes prévenu de vagabondage et du délit de mendicité. Qu’avez-vous à dire pour votre défense?

Martin - Rien, Mr. Le Président… C’est bien la vérité que je suis sans domicile, et que j’ai mendié. Je ne mentirai pas… C’est bien assez d’être coupable devant la loi, je ne veux pas l’être devant ma conscience.

Le Président - Expliquez-vous ; voulez-vous dire que la loi n’est pas juste, selon vous?

Martin - Oh ! Non, Mr. Le Président ; si la loi est telle, c’est que Dieu le veut ainsi ; et je me soumets de tout mon cœur à la volonté de Dieu.

Le Président - C’est un très beau langage, mais qui n’est pas d’accord avec votre conduite, puisque vous avez violé cette loi, et avez ainsi désobéi à la volonté de Dieu.

Martin - Puisque vous m’y invitez, Mr. Le Président, je vais vous expliquer comment cela n’a pas dépendu de moi. Mais cela va vous faire perdre votre temps, et ne me justifiera pas… car la loi est là.

Le Président - Parlez toujours, Martin. Le Tribunal entendrait avec plaisir des explications qui atténueraient votre faute, et vous mériteraient son indulgence.

Martin - Merci, Mr. Le Président, je ne prétends pas me soustraire aux épreuves que Dieu m'envoie. Mais je ne les aggraverai pas moi-même ; je crois même obéir à sa volonté en profitant des bonnes dispositions qu’il vous inspire et que vous me manifestez.

Je n’ai pas besoin de remonter bien loin /2/ dans mon passé. Comme la plupart des ouvriers, j’ai travaillé et j’ai dissipé pendant ma jeunesse… Enfin, je n’ai pas été plus saint que les autres ; au contraire, je tournais mal. Plonge dans la débauche, dégoûté du travail, je dégringolais… J’allais tomber si bas qu’il m’aurait été impossible de remonter, lorsque je rencontrai un brave garçon qui me parla une langue toute nouvelle. Il me fit comprendre des choses auxquelles on n’avait point ouvert ma raison. Ce n’était cependant pas un prêtre, et c’est peut-être ce qui me faisait écouter ses bonnes paroles si simples, si convaincantes que la persuasion entrait toute seule dans mon intelligence. Ma raison gagnée, je sentis que mon cœur se gagnait aussi. J’étais content de moi. Je me débarrassai peu-à-peu de mes mauvaises habitudes qui dès lors ne m’inspiraient que honte et dégoût ; et j’étais heureux de me sentir devenir homme, c’est-à-dire, la créature que Dieu a privilégiée, puisqu’il lui a donné une âme avec la faculté de la connaître par ses œuvres, le désir et l’espoir de le voir un jour en récompense de ses bonnes actions.

C’est alors que, après avoir repris cœur à l’ouvrage et mis de côté quelques économies, je tombai malade… mes économies furent bien vite épuisées. Dieu me faisait expier mon passé. Je me résignai à aller à l’hôpital… J’avais toujours craint l’hôpital, et cependant qu’y trouvai-je ? Des bons esprits sous la figure de ces bonnes sœurs, dont les paroles soulagent autant que les soins… C’est là que j’appris à comprendre tous les trésors de la charité. Elles ne sont pas riches, ces bonnes sœurs, et pourtant que de bien elles font ! Ma maladie dura longtemps ; aussi, à peine entré en convalescence, on me fit sortir de l’hôpital ; ma place était attendue par d’autres qui en avaient /3/ plus besoin que moi … Alors mes amis me soutinrent pendant quelque temps… mes forces ne revenaient pas, personne ne voulait d’un ouvrier sortant de l’hôpital, faible et maigre à faire peur ; j’eus beau me présenter dans plus de cent ateliers… refusé… J’offris mes services pour toute espèce d’ouvrage, et rien que pour mon pain. Ma misère inspirait de la défiance. Je demandai à Dieu d’abréger mon châtiment, non pas pour moi, mais pour ne plus être à charge à mes camarades… enfin ne pouvant plus continuer ce métier, je m’éloignai d’eux ; j’errai pendant deux jours… puis, pressé par la faim, je tendis la main… me laisser mourir de faim, c’était un suicide, j’ai mieux aimé trangresser la loi des hommes que celle de Dieu.

La misère qui m’amène devant vous, la honte de comparaître devant un tribunal, le déshonneur d’une condamnation en police correctionnelle, je me soumets à tout cela avec résignation. Je ne vous en veux pas, ni à vous qui allez me condamner, ni à ceux qui m’ont arrêté… Tous, vous faites votre devoir, et vous êtes les instruments des volontés de Dieu. Je n’ai pas assez expié les erreurs de mes mauvaises années, et je remercie Dieu qui m'aurait écrasé sous les poids du châtiment s’il l’avait mesuré avec une rigoureuse équité.

Le Président - Martin, le tribunal vous sait gré de ces sentiments qui paraissent sincères, et c’est avec regret qu’il se voit dans la nécessité de vous appliquer la loi…

Martin - Pardon, Mr. le Président, en sortant de l’hôpital je n’ai pas pu trouver de l’ouvrage… en sortant de prison, je ne serai sans doute pas plus heureux… ma santé ne s’y améliorera peut-être pas… Je suis bien décidé à ne pas voler, ni à me suicider ; n’y a-t-il pas /4/ un établissement où je pourrais gagner honnêtement mon pain en travaillant, au lieu de le mendier encore?…

… La demande du prévenu reste sans réponse.

Martin - Que la volonté de Dieu soit faite!

20/09/AAAA Carta de Allan Kardec para Amélie Gabrielle Boudet
20/11/AAAA Rascunho de carta de Allan Kardec para Amélie Gabrielle Boudet
27/11/AAAA Comunicação