Manuscrito

Projeto concernente ao Espiritismo [DD/MM/AAAA]

Projeto concernente ao Espiritismo.

Desde os primeiros tempos, quando comecei meu trabalho sobre o Espiritismo, os Espíritos me disseram que precisavam da propriedade que possuo na avenida de Ségur, em Paris; e se ainda a tenho, não é devido à boa vontade daqueles que me despojaram do restante, pelo qual estou endividado, mas pelo meu próprio trabalho, que me permitiu conservá-la.

Não compreendia em quê ela poderia servir aos Espíritos, e quando lhes perguntava, respondiam que eu saberia mais tarde. A princípio, pensava que essa propriedade, de uma renda então quase insignificante, acabaria por me dar o suficiente para me permitir renunciar a qualquer outra ocupação lucrativa e me deixar disponível para me dedicar inteiramente à doutrina. Essa previsão se concretizou, e embora meus recursos sejam muito restritos, para mim são suficientes, com muita ordem e economia. Desde então, circunstâncias imprevistas e novas revelações me fizeram entrever um propósito maior na destinação deste imóvel. Uma vez que minha intenção, para que mais cedo ou mais tarde ele seja proveitoso ao Espiritismo, é utilizá-lo de acordo com meus projetos posteriores, destino-lhe a maior parte dos ganhos que obtenho com minhas obras. Sempre disse que esses recursos serviriam à doutrina, e um dia saberemos como cumpri minha promessa.

É, pois, na expectativa de que um dia a propriedade será útil à causa do Espiritismo, de um modo ou de outro, que já estou tomando as medidas necessárias, uma vez que sempre dependerá de mim prepará-la como bem entender. Ora, eis o projeto que concebi e sobre o qual terei muito gosto em ter a opinião de vários Espíritos por diferentes médiuns, a fim de saber se é uma ideia quimérica, na qual não devo me deter, ou se ela me foi sugerida pelos meus guias espirituais.

/2/ As bases do Espiritismo estão, sem dúvida, estabelecidas, mas ele precisa ser completado por muitos trabalhos que não podem ser a obra de um só homem. Para evitar, no futuro, as falsas interpretações, as aplicações errôneas, numa palavra, as dissidências, é necessário que todos os princípios sejam elucidados de maneira a não deixar nenhum equívoco, a não dar, tanto quanto possível, margem a controvérsia; é necessário que os trabalhos complementares sejam feitos em um mesmo espírito e visando a concorrer a um único fim. Suponhamos, então, para cumprir essa obra, uma reunião de homens capazes, laboriosos e animados pelo zelo de uma fé viva, trabalhando juntos, cada um na sua especialidade; submetendo seus trabalhos à sanção de todos e os discutindo, eles chegariam incontestavelmente ao coroamento do edifício que se eleva. A autoridade dos princípios cresceria devido à autoridade do número, à gravidade do seu caráter e à consideração de que eles seriam capazes de se conciliar.

Para alcançar esse resultado, são condições essenciais a independência e a ausência das preocupações da vida material. Tais condições podem ser encontradas em uma espécie de comunidade, que daria a cada membro as disponibilidades necessárias para realizar proveitosamente os trabalhos essenciais, a salvo dos intrusos e dos curiosos. É a uma reunião desse gênero que tenho o projeto de consagrar posteriormente minha propriedade, que se tornaria assim o Port-Royal do Espiritismo, sem ter o caráter monástico. Seria uma grande família unida pelos laços de uma verdadeira fraternidade, e por uma comunhão de crenças e de princípios. Uma regra determinaria as relações mútuas, as quais seriam baseadas na prática rigorosa da abnegação, da caridade e da moral espírita.

Sem entrar em detalhes da organização, direi que o número de membros da comunidade seria limitado a doze, sem contar o chefe. Como minha propriedade estaria consagrada à obra, todos teriam sua habitação gratuita. Ali estariam reunidos todos os elementos necessários aos estudos: biblioteca completa, documentos de todo tipo, salas de conferências etc.; cada um teria suas atribuições: a Revista Espírita, hoje minha propriedade pessoal, tornar-se-ia uma propriedade e obra coletivas e poderia adquirir maiores desenvolvimentos. Ali formaríamos oradores encarregados de difundir alhures o ensino espírita, ou de visitar os diversos centros; alguns teriam a missão de socorrer os infelizes. Dias seriam consagrados a receber estrangeiros que viessem buscar instrução. A essas vantagens se somariam muitas outras, não menos importantes, resultantes dos pormenores da organização, os quais já estão previstos e elaborados.

Esse simples esboço mostra a importância que um centro dessa natureza não deixaria de adquirir e permite ver as luzes que emanariam de um tal foco, perpetuando-se depois de mim em função das bases sobre as quais ele seria estabelecido. Creio, pois, que se algum dia ele se realizar, os Espíritos terão tido razão em dizer que minha propriedade lhes era necessária.

Devendo os membros da comunidade dedicar todo o seu tempo à obra comum, a habitação gratuita não seria suficiente para quem não dispusesse dos meios para prover sua existência; seria necessário, portanto, assegurar aos trabalhadores a independência necessária, livrando-os das preocupações da vida material; admitir, de preferência, aqueles que se encontram em uma situação precária seria simultaneamente aproveitar as luzes dos pobres e realizar uma obra caritativa. Para completá-la, podendo a propriedade comportar um número de habitações superior ao indicado acima, a gratuidade do alojamento seria dada a um certo número de adeptos para os quais isso seria um grande alívio, ao mesmo tempo que lhes permitiria dar uma contribuição parcial à obra comum.

/4/ Uma das consequências desse projeto seria dar ao Espiritismo uma direção permanente para a perpetuidade da obra, assentada em bases sólidas, independentes das questões pessoais, e assim assegurar a unidade futura da doutrina; reunir, consequentemente, sob uma mesma bandeira e em uma Sociedade Espírita Universal, por uma profissão de fé comum, os adeptos de todo o mundo, entre os quais se estabelecerão, pela força das circunstâncias, os laços de uma mútua fraternidade. Qualquer um que conheça os princípios da doutrina e os felizes resultados que ela produz a cada dia verá, na sua propagação e na união dos seus adeptos, a melhor garantia da ordem social, visto que ela tem por lema: Fora da caridade não há salvação, e por guia estas palavras do Cristo: Amai-vos uns aos outros; perdoai os vossos inimigos; não façais aos outros o que não quereríeis que vos fosse feito [e fazei o que gostaríeis que vos fosse feito]; que ela proclama que todos os homens são irmãos, sem distinção de nacionalidades, de seitas, de castas, de raças nem de cores; que ela os ensina a se contentar com o que têm e a suportar com coragem as vicissitudes da vida; que, finalmente, com a caridade, os homens viverão em paz, ao passo que, com o egoísmo, terão inveja uns dos outros, desconfiança e estarão sempre em luta.

A execução deste projeto está subordinada a uma condição essencial, a de recursos suficientes; aí está a dificuldade; talvez seja esta a quimera da ideia: é por isso que, tanto no fundo quanto na forma, pedi aos Espíritos que me dessem sua opinião.

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Projet concernant le Spiritisme.

Dès les premiers temps où j’ai commencé mes travaux sur le Spiritisme, les Esprits m’ont dit qu’ils avaient besoin de la propriété que je possède à Paris Avenue de Ségur ; et si je la possède encore ce n’est pas à bonne volonté de ceux qui m’ont dépouillé du reste que j’en suis redevable, mais bien à mon propre travail qui m’a permis de la conserver.

Je ne comprenais pas en quoi elle pouvait servir aux Esprits, et lorsque je le leur demandais, ils me répondaient que je le saurais plus tard. Ma pensée fut d’abord que cette propriété, d’un revenu presque insignifiant alors, finirait par m’en donner un suffisant pour me permettre de renoncer à toute autre occupation lucrative, et me laisser le loisir de me consacrer tout entier à la doctrine. Cette prévision s’est réalisée, et quoique mes ressources soient fort restreintes elles me suffisent avec beaucoup d’ordre et d’économie. Depuis, des circonstances imprévues et de nouvelles révélations m’ont fait entrevoir un but plus grand dans la destination de cet immeuble. Mon intention étant d’en faire tôt au tard profiter le Spiritisme, c’est à le disposer en conséquence de mes projets ultérieurs que je consacre la plus grande partie des bénéfices que me procurent mes ouvrages. J’ai toujours dit que ces produits serviraient à la doctrine, et l’on saura un jour comment j’ai tenu ma promesse.

[C’est donc dans la prévision que la propriété sera un jour utile à la cause du Spiritisme, d’une manière ou d’une autre, que je prends dès à présent les mesures nécessaires, attendu qu’il dépendra toujours de moi d’en disposer comme bon me semblera. Or, voici le projet que j’ai conçu et sur lequel je serais bien aise d’avoir l’avis de plusieurs Esprits par différents médiums, afin de savoir si c’est une idée chimérique à laquelle je ne dois pas m’arrêter, ou s’il m’aurait été suggeré par mes guides spirituels.

/2/ Les bases du Spiritisme sont sans doute posées, mais il a besoin d’être complété par de nombreux travaux qui ne peuvent être l’œuvre d’un seul homme. Pour éviter dans l’avenir les fausses interprétations, les applications erronées, les {dissidences} en un mot, il est nécessaire que tous les principes soient élucidés de manière, à ne laisser aucune équivoque, à ne donner, autant que possible, aucune prise à la controverse ; il faut que les travaux complémentaires soient fait dans un même esprit et en vue de concourir vers un but unique. Supposons donc, pour accomplir cette œuvre, une réunion d’hommes capables, laborieux, et animés par le zèle d’une foi vive, travaillant en commun, chacun dans sa spécialité ; soumettant leurs travaux à la sanction de tous et les discutant en commun, ils arriveraient incontestablement au couronnement de l’édifice qui s'élève. L’autorité des principes s’accroîtrait de l’autorité du nombre, de la gravité de leur caractère, et de la considération qu’ils sauraient se concilier.

Pour atteindre ce résultat, il est une condition essentielle, c’est l’indépendance et l’affranchissement des soucis de la vie matérielle. Cette condition peut se trouver dans une sorte de communauté qui donnerait à chaque membre les loisirs nécessaires pour s’occuper fructueusement des travaux essentiels, à l’abri des importuns et des curieux. C’est à une réunion de ce genre que j’ai le projet de consacrer ultérieurement ma propriété qui deviendrait ainsi le Port-Royal du Spiritisme, sans en avoir le caractère monastique. Ce serait une grande famille unie par les liens d’une véritable fraternité, et par une communion de croyances et de principes. Une règle déterminerait les rapports mutuels, et ces rapports seraient fondés sur la rigoureuse pratique de l’abnégation, de la charité et de la morale spirite.

Sans entrer dans le détail de l’organisation, je dirai que le nombre des membres de la communauté serait limité à douze sans compter le chef. Ma propriété étant consacrée à l’œuvre, tous y auraient leur /3/ habitation gratuite. Là se trouveraient réunis tous les éléments nécessaires aux études : bibliothèque complète, documents de toutes natures, salles de conférences, etc. ; chacun y aurait ses attributions : La Revue Spirite, aujourd’hui ma propriété personnelle, deviendrait une propriété et une œuvre collectives, et pourrait prendre de plus grands développements. On y formerait des orateurs chargés d’aller au dehors répandre l’enseignement Spirite, ou visiter les différents centres ; quelques-uns auraient pour mission d’aller porter des secours aux malheureux. Des jours seraient consacrés à recevoir les étrangers qui viendraient y chercher l’instruction. A ces avantages viendraient s’en ajouter beaucoup d’autres non moins grands, résultant des détails de l’organisation, détails qui sont déjà prévus et élaborés.

Ce simple aperçu montre l’importance que ne manquerait pas d’acquérir un centre de cette nature, et peut faire juger des lumières qui sortiraient <d’un> pareil foyer, se perpétuant après moi en raison même des bases sur lesquelles il serait établi. Je crois donc que s’il se réalise un jour, les Esprits auront eu raison de dire que ma propriété leur était nécessaire.

Les membres de la communauté devant donner tout leur temps à l’oeuvre commune, la gratuité de l’habitation ne suffirait pas pour celui qui n’aurait pas, par devers lui des moyens d’existence ; il faudrait donc assurer aux travailleurs l’indépendance nécessaire, et les affranchir des préoccupations de la vie matérielle ; en y admettant de préférence ceux qui sont dans une position précaire, ce serait à la fois profiter des lumières des pauvres et faire une oeuvre charitable. Pour la compléter, la propriété pouvant comporter un nombre {d’habitations} supérieur à celui indiqué ci-dessus, la gratuité <seule> du logement serait donnée à un certain nombre d’adeptes pour lesquels ce serait un grand allégement, en même temps qu’ils pourraient donner un concours partiel à l’œuvre commune.

/4/ Une des conséquences de ce projet serait de donner au Spiritisme une tête permanente par la perpétuité de l’œuvre, assise sur des bases solides, indépendantes des questions de personnes, et d’assurer ainsi l’unité future de la doctrine ; de réunir, par conséquent sous un même drapeaux et en une société Spirite universelle* {*par une profession de foi commune}, les adeptes du monde entier entre lesquels s’établiront, par la force des choses, les liens d’une mutuelle confraternité. Quiconque connaît les principes de la doctrine et les heureux résultats qu’elle produit chaque jour, verra dans sa propagation, et dans l’union des ses adhérents, la meilleure garantie de l’<l’ordre> social, puisqu’elle a pour devise: Hors la charité point de salut, et pour guide ces paroles du Christ: Aimez-vous les uns les autres ; pardonnez à vos ennemis ; ne faites point à autrui ce que vous ne voudriez pas qu’on vous <fît>** {**et faites [ce que vous voudriez qu’il vous fût fait]} ; qu’elle proclame que tous les hommes sont frères, sans acception de nationalités, de sectes, de castes {], de races,[} ni de couleurs ;*** {***qu’elle leur apprend à se contenter de ce qu’ils ont, et à supporter avec courage les vicissitudes de la vie ;} {puisqu’enfin} avec la charité les hommes vivront en paix, {tandis} qu’avec l’égoïsme ils s’envient, se jalousent et sont toujours en lutte.

L’exécution de ce projet est subordonnée à une condition essentielle, celle de ressources suffisantes ; là est la difficulté ; là peut-être est la chimère de l’idée: c’est donc à la fois sur le fond et sur la forme que j’ai prié les Esprits de me donner leur avis.

20/09/AAAA Carta de Allan Kardec para Amélie Gabrielle Boudet
20/11/AAAA Rascunho de carta de Allan Kardec para Amélie Gabrielle Boudet
27/11/AAAA Comunicação