Biografias

Eugène Vézy

Autoria: Angélica A. Silva de Almeida; Carlos Seth Bastos

Eugène Vézy nasceu em 5 de julho de 1834. Atuou profissionalmente como contador e desenhista, além de ter desempenhado a função de assistente de Gaspard Félix Tournachon (1820–1910) — o renomado balonista, caricaturista e jornalista francês conhecido como Félix Nadar. O Journal du Loiret o menciona como administrador das ascensões do “Gigante”, referência provavelmente relacionada aos balões.

Vézy destacou-se também como médium ativo na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Em correspondência dirigida a Allan Kardec, Amélie Boudet relatou uma sessão da Sociedade ocorrida durante a ausência de Kardec, na qual o Sr. Vézy foi mencionado entre os médiuns participantes: “O senhor d’Ambel fez tudo pelo melhor; o senhor Levent presidiu, a sessão foi muito calma e muito insignificante, tinha como médiuns os senhores d’Ambel, Leymarie, Vezy e Flammarion; as comunicações foram detestáveis, e os membros eram poucos. A senhora Lescot e Didier filho só voltam esta semana.

Vézy deixou um conjunto expressivo de cerca de vinte comunicações mediúnicas, atribuídas a espíritos como Santo Agostinho1, Jobard2, Voltaire3 e Jean-Marie Vianney4, o Cura d’Ars, publicadas na Revista Espírita entre 1862 e 1865. A maioria dessas mensagens foi creditada ao espírito de Santo Agostinho.

Dois de seus textos foram incorporados posteriormente às obras de Allan Kardec. O primeiro, “Bem-aventurados os que têm os olhos fechados”, apareceu inicialmente na Revista Espírita de julho de 1863 e foi incluído, no ano seguinte, no capítulo “Bem-aventurados os que têm o coração puro – Instruções dos Espíritos”, de O Evangelho Segundo o Espiritismo. O segundo texto, referente a Antoine Costeau, membro da Sociedade Espírita de Paris, foi publicado na Revista Espírita de outubro de 1863 e posteriormente reproduzido em O Céu e o Inferno (1865).

Tudo indica que Vézy tinha uma convivência próxima de Allan Kardec e sua esposa, Amélie Boudet. Kardec o considerava um colaborador exemplar, destacando sua postura séria e prestativa no trabalho espírita: “os espíritas sérios agem seriamente e religiosamente e não fazem encenações”. Em uma das cartas preservadas pelo Projeto Allan Kardec, escrita durante uma de suas viagens, Kardec menciona a assistência prestada por Vézy e outros colaboradores ao Sr. Costeau:

Minha boa Amélie, recebi tua carta nesta manhã, e embora não tenha, de minha parte, nada de particular a ter de dizer, não quero tardar em agradecer os senhores d’Ambel e Canu pelo que fizeram ao senhor Costeau, pois agiram como verdadeiros espíritas. Sua alocução é admirável; eles mostraram coração, o que não me surpreende, pois, sua fé é sincera. O senhor Vézy deve receber também sua parte de felicitações.

Em outra correspondência, Amélie Boudet informou a Allan Kardec que “o senhor Vézy me apresentou sua esposa no domingo; ela está bem”.

Em 1864, o Sr. D’Ambel — que anteriormente ocupara o cargo de secretário de Kardec — iniciou a publicação do jornal L’Avenir, apresentado como um monitor do Espiritismo. Kardec manifestou apreciação pela iniciativa, elogiando o periódico e reconhecendo sua relevância para a divulgação e consolidação do movimento espírita:

Em Paris, um recém-chegado se apresenta sob o título despretensioso de Avenir, Monitor do Espiritismo. A maioria de nossos leitores já o conhecem, bem como seu redator-chefe, o Sr. d’Ambel, e puderam julgá-lo por suas primeiras armas. A melhor propaganda é provar o que se pode fazer; é, em seguida o grande júri da opinião que pronuncia o veredicto. Ora, não duvidamos que este não lhe seja favorável, a julgar pela acolhida simpática recebida ao seu aparecimento.

A ele, pois, também as nossas simpatias pessoais, conquistadas previamente por todas as publicações destinadas a servir valorosamente à causa do Espiritismo, porque não poderíamos conscientemente apoiar nem encorajar aquelas que, pela forma ou pelo fundo, voluntariamente ou por imprudência, lhe fossem mais prejudiciais do que úteis, desviando a opinião quanto ao verdadeiro caráter da doutrina, ou oferecendo o flanco aos ataques e às críticas fundadas dos nossos inimigos. Em semelhante caso, a intenção não pode ser reputada pelo fato.

No entanto, no ano seguinte, o Sr. D’Ambel iniciou a publicação de uma série de artigos dedicados ao tema da chamada “morte espiritual”. Kardec chegou a apresentar essa proposta doutrinária na Revista Espírita, mas ponderou que a questão exigia investigações mais aprofundadas. Ressaltou, ainda, que o assunto não havia sido validado pelo critério da universalidade do ensino dos Espíritos, condição necessária para que pudesse ser reconhecido como uma teoria efetivamente confirmada e aceita no âmbito da doutrina:

Sim, morre-se, mas não é no momento em que se deixa o corpo; é no momento em que o Espírito, percebendo sua verdadeira situação, é tomado de uma vertigem, não consegue mais compreender o que lhe dizem, não vê mais as coisas que lhe explicam da mesma maneira; então se perturba. Vendo que não é mais compreendido, ele procura, e como o cego que é ferido subitamente (...) Ele está perturbado, e é preciso que o desejo o impulsione com ardor a pedir a luz, que lhe não é concedida senão depois de terminada a agonia e chegada a hora da libertação. Então, meu primo, é quando o Espírito se acha nesse momento que é o momento da morte, porque não mais sabemos reconhecer-nos. É preciso, repito, que sejamos ajudados pela prece para sair desse estado, e é também quando é chegada a hora da libertação que se deve empregar a palavra transformação para os Espíritos de minha ordem.

OBSERVAÇÃO: O novo estado em que se encontra Pierre Legay, deixando de considerar-se deste mundo, pode ser considerado como um segundo despertar do Espírito. Esta situação se liga à grande questão da morte espiritual que está em estudo neste momento.

A partir desse episódio, tornou-se evidente o distanciamento de Allan Kardec em relação ao L’Avenir e às produções mediúnicas de D’Ambel. Em resposta às teses publicadas pelo jornal, Kardec enviou uma carta ao Sr. Vézy convidando-o a preparar um artigo que refutasse a teoria da “morte espiritual”, atribuída ao espírito de Erasto e divulgada no L’Avenir sob o título Étude sur les transformations futures de l’Être (Estudo sobre as transformações futuras do ser).

Vézy, por sua vez, teria recebido uma comunicação atribuída ao espírito de Santo Agostinho que também abordava o tema. Essa mensagem encontra-se atualmente disponibilizada no acervo do Projeto Allan Kardec:

8º de Paris

Sessão de 6 de janeiro

Santo Agostinho

Destino da alma e morte espiritual

Tem razão, não lance seu olhar para um horizonte distante se temer que sua vista se turve. É melhor olhar para a escuridão do que para o sol, se for para ele abatê-lo com a cegueira. Mas deixem aqueles que não têm medo de mergulhar no grande dia, de afogar-se nele, e prometo que não terão de temer a cegueira.

Há coisas que não podem ser ensinadas pelo vulgar. Muitas vezes é preciso, para compreender a solução de um problema, entrar nos detalhes abstratos de uma teoria obscura, a qual requer um cérebro apto às explicações e aos estudos. Mas, uma vez que um teorema algébrico não será compreendido nem em seus dados nem em seus elementos, isto significa que sua aplicação é falsa? De modo algum, pois seria então necessário que rejeitassem todas as grandes verdades que se apoiam apenas em cálculos que a maioria não sabe fazer nem compreender. Seria necessário rejeitar todas as grandes questões que são feitas e seu valor, pois a maior parte delas precisa, para serem definidas, de demonstrações paradoxais que lhes servem de escada. Tenham isto em mente: a felicidade da humanidade, em seu desenvolvimento, apoia-se apenas no progresso, e o progresso, em seu curso, apoia-se apenas em paradoxos. Que Deus nos proteja. Não venho defender, com este preâmbulo, a teoria do espírito de George sobre a caminhada da alma, indo ao seu apogeu para fundir-se no seio de Deus; ele equivocou-se em sua dissertação. Venho apenas responder às observações críticas que têm sido feitas sobre a morte espiritual. Venho defender um dos partidários dessa ideia, acrescentando algumas palavras que talvez tornem mais claro o que já disse sobre ela. Ah! Na glória que a todos espera, não nos será permitido esquecer nossas ingratidões e nossos excessos para com aquele que nos cobriu de bênçãos. Ah! O quê! Eu teria sido um criminoso, um assassino, um infanticida, um parricida, e eu poderia, em minha beatitude e em minha glória, olhar para as manchas de sangue que cobrem minhas mãos sem enrubescer. Eu teria batido meu filho contra um rochedo, e me lembraria de seus gritos de agonia, de seu último suspiro, de sua última palavra, que talvez fosse o nome de sua mãe, nome em que meu coração não sente repulsa e desgosto e não se revolta contra mim mesmo. Eu teria bebido o sangue de meu inimigo, teria afundado minhas mãos nas entranhas fumegantes de meu irmão, para que seus cadáveres presentes à minha memória não cresçam [como o de] Caim. O que fez com seu irmão?... Monstruosidade revoltante da justiça e da bondade de Deus, que teria me coberto com um manto branco no qual certamente estariam escritos meus homicídios e o qual eu arrastaria entre os eleitos com uma coroa de arcanjo!... Não! (...) deixem que os homens acreditem que eles esquecerão seus crimes passados e que, em sua glória, só terão sorrisos em seus lábios quando estiverem morrendo, tentando se lembrar de sua juventude. Toda a teoria da morte espiritual aí explicada, e sou um de seus defensores e apóstolos! Ah! Quão sublime Deus me parece, pois Ele me permite olhar o passado com sorrisos, e o futuro com entusiasmo. O futuro!... Mas qual palavra é capaz de destruir minha individualidade? A fusão universal no seio de Deus! Erro que destruiria o fato da própria criação, ao destruir seus verdadeiros destinos! Vocês deveriam ficar em silêncio quando se trata do objetivo definitivo para a [...]

Eugène Vézy casou-se em 1862, mas faleceu cinco anos depois, aos 33 anos, em 6 de fevereiro de 1868. Segundo reportagem do jornal Le Monde Invisible, que publicou um artigo sobre sua morte, ele aparentava estar doente havia algum tempo. Tal condição possivelmente explica a ausência de registros de suas comunicações mediúnicas a partir de 1865. Vézy veio a falecer na Maison Municipale de Santé, também conhecida como Maison Dubois.5

Embora já não esteja fisicamente entre nós, este jovem gentil, humilde, simples, modesto, bondoso e generoso, que conquistou o coração de todos que o conheceram, continua vivo em espírito; ele compartilhará nossos trabalhos e lutas como antes, unir-se-á a nós em nossos sucessos e sempre lutará ao nosso lado nas fileiras invisíveis. Ainda me lembro do dia em que vi meu pobre amigo Vézy pela última vez. Foi em um dos nossos grupos. Ele estava à mesa dos médiuns. Seu olhar era terno e triste, um leve rubor iluminava seu rosto, que o sofrimento havia empalidecido, uma tosse seca e persistente denunciava a doença que o afligia, sua voz era compassiva; ele leu com pesar uma comunicação repleta de poesia que encantou a plateia. Parecia que a alma, já pressentindo seu fim iminente, cantava, antecipadamente o hino de reconhecimento ao Eterno.


  1. Aurélio Agostinho, em latim Aurelius Augustinus, nasceu em Tagaste, atualmente Suk Ahras, na Argélia, em 13 de novembro de 354, filho de Patrício, homem pagão e de posses, que no final da vida se converteu, e da cristã Mônica, mais tarde canonizada. Agostinho estudou retórica em Cartago, onde aos 17 anos passou a viver com uma concubina, da qual teve um filho, Adeodato. A leitura do Hortensius, de Cícero, despertou-o para a filosofia. Aderiu, nessa época, ao maniqueísmo, doutrina de que logo se afastou. Em 384 começou a ensinar retórica em Milão, onde conheceu santo Ambrósio, bispo da cidade. Cada vez mais interessado pelo cristianismo, Agostinho viveu longo conflito interior, voltou-se para o estudo dos filósofos neoplatônicos, renunciou aos prazeres físicos e em 387 foi batizado por santo Ambrósio, junto com o filho Adeodato. Tomado pelo ideal da ascese, decidiu fundar um mosteiro em Tagasta, onde nascera. Nessa época perdeu a mãe e, pouco depois, o filho. Ordenado padre em Hipona (391), pequeno porto do Mediterrâneo, também na atual Argélia, em 395 tornou-se bispo-coadjutor de Hipona, passando a titular com a morte do bispo diocesano Valério. Não tardou para que fundasse uma comunidade ascética nas dependências da catedral. Pensamento. As obras mais importantes de santo Agostinho são De Trinitate (Da Trindade), sistematização da teologia e filosofia cristãs, divulgada de 400 a 416 em 15 volumes; De civitate Dei (Da cidade de Deus), divulgada de 413 a 426, em que são discutidas as questões do bem e do mal, da vida espiritual e material, e a teologia da história; Confessiones (Confissões), sua autobiografia, divulgada por volta de 400.

    Disponível em: https://ecclesiae.com.br/index.php?route=product/author&author_id=82&srsltid=AfmBOopo9pIPME5z56Wnleq9tO5jj6j3vD5cYHoCJqcCs1MITGIlhXPc. Acesso em: 03/12/2025.↩︎

  2. Diretor do Museu da Indústria de Bruxelas, nascido em Baissey, Alto Mame, e falecido em Bruxelas em 27 de outubro de 1861, com a idade de 69 anos. Foi presidente honorário da Sociedade Espírita de Paris. Disponível em: https://luzdoespiritismo.com/oci/o-ceu-e-o-inferno-segunda-parte/capitulo-ii-espiritos-felizes/sr-jobard-o-ceu-e-o-inferno. Acesso em: 03/12/2025.↩︎

  3. Voltaire (1694-1778), pseudônimo literário de François Marie Arouet, nasceu em Paris, no dia 21 de novembro de 1694. Foi um filósofo e escritor francês, um dos grandes representantes do Movimento Iluminista na França. Foi também ensaísta, poeta, dramaturgo e historiador.

    Voltaire foi um dos homens mais influentes do século XVIII. Os monarcas esclarecidos sempre lhe pediam conselhos, seus livros foram lidos em toda a Europa. Voltaire, Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau foram os três nomes mais significativos do Iluminismo francês. Disponível em: https://www.ebiografia.com/voltaire/. Acesso em: 03/12/2025.↩︎

  4. Jean-Marie Vianney nasceu em Dardilly, perto de Lyon, em 8 de maio de 1786, filho dos agricultores Mathieu Vianney e Marie Béluze, teve uma infância marcada pelo fervor e amor de seus pais. Superando enormes dificuldades, foi ordenado sacerdote em 13 de agosto de 1815, na capela do Seminário de Grenoble. Em 1818, foi enviado para Ars. Lá, despertou a fé de seus paroquianos por meio de suas pregações, mas sobretudo por meio de sua oração e seu modo de vida. Fundou um orfanato, “La Providence”, e cuidou dos mais pobres. Ele faleceu em 4 de agosto de 1859. Disponível em: https://www.arsnet.org/en/the-cure-dars/. Acesso em: 03/12/2025.↩︎

  5. Foi inaugurado em 1858 e hoje leva o nome de Fernand Widal. Disponível em:

    http://tsovorp.org/histoire/Lieux/MaisonDubois.php. Acesso em: 02/12/2025.↩︎