Biografias

Louis Timagène Houat

Autoria: Angélica A. Silva de Almeida e Débora Penaqui Barbosa

Allan Kardec escreveu uma carta destinada ao Sr. Houat, dizendo que foi procurá-lo a princípio para pagar pelos seus serviços médicos, mas que pelo fato de ele ter se mudado de Paris para Paus, não conseguiu encontrá-lo. (1)

O Sr. Houat, médico e escritor, nasceu em 12 de agosto de 1809, na Ilha de Bourbon (atualmente chamada de Reunião) um território ultramarino francês no Oceano Índico Ocidental. (2,3, 4) Era sobrinho de Jean Baptiste Lislet-Geoffroy (1755-1836), cartógrafo e meteorologista de destaque, considerado como o primeiro meteorologista do Oceano Índico. Lislet-Geoffroy, filho de uma ex-escrava, foi a primeira pessoa de descendência africana a ser eleita membro correspondente da Academia de Ciências de Paris em 1786. (5, 6)

Ele era médico e um importante ativista na luta pela a abolição da escravidão, considerado por muitos com grande capacidade argumentativa (7). Em dezembro de 1835, o Sr. Houat foi preso acusado de incitar uma rebelião de escravos. Após vinte e um dias de julgamento foi condenado à deportação em 03 de agosto de 1836 e foi mantido preso até decidirem para aonde seria deportado:

“Le procureur général expose que, par arrêt de la chambre d’accusation, il a été éclaré qu’il y avait lieu d’accuser Timagène Houat, et quinze autres individus de couleur, dont un esclave, comme auteurs ou complices d’un complot ayant pour but d’exciterla guerre civile, en portant les habitans à s’armer les uns contre les autres, dans la vue de s’emparer du pays et d’en chasser une partie de la population, complot suivi d’actes commencés pour en préparer l’exécution (…). “

“O Procurador-Geral da República afirma que, por decisão da Câmara de Acusação, foi declarado que Timagène Houat, e quinze outros indivíduos de cor, incluindo um escravo, como autor ou cúmplice de uma trama tendo como propósito de incitar a guerra civil, levando os habitantes a se armarem uns contra os outros com o objetivo de apoderar-se do país e expulsar parte da população, trama seguida de atos começaram a  se preparar a sua execução (…)“ (8).

Em maio de 1837, a partir de uma lei de anistia concedida pelo rei Luís Filipe e que se estenderia para todas as colônias deveria ter sido colocado em liberdade junto com os demais acusados no processo, o que não ocorreu. Um decreto do governador da Ilha de Borboun em 20 de outubro concedeu a todos eles a liberdade, mas determinou a proibição de residência em local onde fossem considerados perigosos. Sendo assim, foi enviado para a França. (3,8)

O Sr. Houat era correspondente na Ilha de Bourbon de “La Revue des Colonies”, uma publicação a favor da abolição da escravatura, fundada por Cyrille -Charles-Auguste Bissette político e fundador do Club des Amis des Noirs (Clube de Amigos dos Negros) e foi o primeiro jornal abolicionista francês dirigido aos negros. (9, 10, 11) Enquanto aguardava seu julgamento escreveu a Lettre d’un prévenu dans l’affaire de l’ïle Bourbon (Carta de um acusado no caso da Ilha de Bourbon) e enviou para a revista detalhando as condições de sua detenção. A carta foi publicada em setembro de 1836. (12)  

Entre o final de 1836 até a metade 1837, Cyrille Bissette publicou vários encartes sobre o processo envolvendo o Sr. Houat na Revue des Colonies (13,14,15, 16, 17)

Em 1838, pouco depois de seguir para o exílio político publicou em verso o livro Un proscrit de l’île de Bourbon à Paris (Um fora da lei da Ilha de Bourbon em Paris), relatando sua história.

« L’auteurde ces quatre petites pièces de poésie est un de cesjeunes hommes de couleur qui, victimes d’un inique arrêt do la Cour d’assises de l’Ile Bourbon, ont été, les uns condamnés à la déportation, les autres à la détention, sous le spécieux prétexte de complot contre la vie ou la propriété des colons.

O autor dessas quatro pequenas peças de poesia é um desses jovens negros que, vítimas de um julgamento iníquo do Tribunal de Justiça de Ilha de Bourbon, foram, alguns condenados à deportação, outros a deportar tenção, sob o pretexto especioso de uma conspiração contra vida ou propriedade dos colonos. (18)  

Seis anos depois, em 1844 publicou o famoso romance Les Marrons (apelido atribuído aos escravos em fuga) cujo objetivo era mostrar como era a condição dos escravos e o tratamento imposto às populações negras do Império Francês. Ao que tudo indica o livro foi inspirado no romance Bug-Jargal de Victor Hugo publicado em 1826 (essa obra aborda a insurreição dos escravos no Haiti, conhecida como a “Revolução dos Negros”). E no livro Georges de Alexandre Dumas, uma obra que também explora o tema racial. (2, 7, 19, 20) Em 2011, Les Marrons foi reeditado pela L’Arbre Vengeur, uma editora de Bordeaux.

Não foi possível identificar quando o Sr. Houat se envolveu com o Espiritismo. No entanto, o sociólogo e historiador Raoul Lucas localizou Liliane Houat, trisneta do Sr. Houat, que relatou sobre a amizade dele com o escritor Victor Hugo, que possuía vínculos com a nova doutrina francesa e poderia tê-lo influenciado nesse sentido. (7, 21,22) Ela afirmou:

Mon père me parlait, parfois, de son ancêtre qu’il appelait le docteur noir, ami de Victor Hugo, défenseur des esclaves et exilé à La Réunion”

« Meu pai falava-me, às vezes, de seu ancestral a quem chamava de médico negro, amigo de Victor Hugo, defensor dos escravos e exilado na Ilha da Reunião” (7).

Ele publicou em 1866 o livro Études et Séances Spirites: morale, philosophie, médecine, psychologie, dentro da temática espírita. (23) No livro “Catálogo Racional das Obras para se Fundar uma Biblioteca Espírita”, Allan Kardec incluiu a obra do Sr. Houat na listagem dos livros que uma biblioteca espírita deveria ter. (24, 25)

O Sr. Houat formou-se médico depois que veio para Paris, mas não foi possível identificar o ano da conclusão de seu curso. Ele desenvolveu estudos sobre a homeopatia e realizou uma publicação em dois volumes sobre o tema: “Nouvelles données de matière médicale homéopathique et de toxicologie, 1866 e 1868”. (26) No ano de 1883, ele publicou um livro de medicina geral: “Des propriétés physiologiques et curatives du culex pipiens, de l’hydrocotyle asiatica et pathogénésie nouvelle de viola odorata”. (27)

Conforme Allan Kardec mencionou na carta, o Sr. Houat se mudou para Pau (uma comuna no sudoeste da França) (27), ao que tudo indica no final de 1867 ou início de 1868 (1), onde ele faleceu em 09 de julho de 1883 (28).

Referências

  1. Kardec A. [Rascunho de carta para o senhor Houat – 18/01/1868]. Juiz de Fora: UFJF; 2020 [cited 2021 Feb 25]. Disponível em: http://omeka-wp.projetokardec.ufjf.br/items/show/59. Projeto Allan Kardec.Réunion island and department, France. https://www.britannica.com/place/Reunion

  2. Équipe Gallica. L’esclavage selon Louis-Timagène Houat (1844) [internet]. Paris; 2003. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/blog/01012013/lesclavage-selon-louis-timagene-houat-1844?mode=desktop Louis Timagène Houat (1809-1880?) https://data.bnf.fr/fr/12135163/louis_timagene_houat/

  3. Editors of Encyclopaedia Britannica. Réunion island and department, France [internet]. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Reunion

  4. A Jauze. Jean-Baptiste Lislet-Geoffroy, un destin exceptionnel [internet]. 2017. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://www.departement974.fr/sites-culturels/index.php/T%C3%A9l%C3%A9charger-document/429-Jean-Baptiste-Lislet-Geoffroy-1755-1836-scientifique.html

  5. Fikes R. Jean baptiste lislet-geoffroy (a.k.a. geoffroy l’islet, 1755-1836) [internet]. 2017. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://www.blackpast.org/global-african-history/lislet-geoffroy-jean-baptiste-k-geoffroy-l-islet-1755-1836/

  6. Clicanoo P. Liliane Houat: héritière du docteur noir. [internet]. 2019. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://www.clicanoo.re/Culture-Loisirs/Article/2019/12/03/Liliane-Houat-heritiere-du-docteur-noir_594471

  7. Barbaroux CO. De l’Application de l’amnistie du 8 mai 1837 aux condamnés de l’île Bourbon, et du mémoire de M. Houat, l’un des amnistiés [internet]. Paris: Imprimerie de J. G1utiot Et J.-b. Gros; 1838. 96 p. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k57856935/f5.item.texteImage#

  8. Bajot, Poirré. Annales maritimes et coloniales, recueil de lois et ordonnances royales […] [internet]. Paris; [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://www.bibliorare.com/lot/294705/

  9. Équipe Gallica. Cyrille-Charles-Auguste Bissette (1795-1858) [internet]. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://data.bnf.fr/fr/12181394/cyrille-charles-auguste_bissette/

  10. Équipe Une Autre Histoire. Cyrille Bissette (1795-1858) [internet]. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: http://une-autre-histoire.org/cyrille-bissette-biographie/

  11. Triay P. 22 mai 1848: Cyrille Bissette, l’abolitionniste oublié de la Martinique [internet]. 2017. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://la1ere.francetvinfo.fr/22-mai-1848-cyrille-bissette-abolitionniste-oublie-martinique-154399.html

  12. Houat. L T. Revue des colonies: recueil mensuel de la politique, de l’administration, de la justice, de l’instruction et des mœurs coloniales par une société d’hommes de couleur. [internet].1836;3(9):117-120. [Acesso em: 21 fev. 2021]. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5458250d/f1.item.r=houat.langFR

  13. Des noms de Blancs. Colonies Françaises. Guadeloupe. Borbon. Revue des colonies: recueil mensuel de la politique, de l’administration, de la justice, de l’instruction et des mœurs coloniales par une société d’hommes de couleur. [internet].1836;3(5):185-224. [Acesso em: 21 fev. 2021]. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k54582527?rk=128756;0

  14. Un procès politique a l’ile Bourbon. Revue des colonies: recueil mensuel de la politique, de l’administration, de la justice, de l’instruction et des mœurs coloniales par une société d’hommes de couleur. [internet].1837;3(9):353-92. [Acesso em: 21 fev. 2021]. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5458256w.r=houat.langFR

  15. Exposé des Faits du Procès-Bourbon. Revue des colonies: recueil mensuel de la politique, de l’administration, de la justice, de l’instruction et des mœurs coloniales par une société d’hommes de couleur. [internet].1837;3(10):393-432. [Acesso em: 21 fev. 2021]. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5458260s/f1.item.r=houat.langFR

  16. Affaire Houat. Courtes observations sur le réquisitoire de M. Le procureur-général. Revue des colonies: recueil mensuel de la politique, de l’administration, de la justice, de l’instruction et des mœurs coloniales par une société d’hommes de couleur. [internet]. 1837;3(11): 433-72. [Acesso em: 21 fev. 2021]. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k54582616/f40.item.r=houat.langFR

  17. Affaire Houat. Dernier mot sur le réquisitione du ministère public. M. de Greslan, Substitut. Revue des colonies: recueil mensuel de la politique, de l’administration, de la justice, de l’instruction et des mœurs coloniales par une société d’hommes de couleur. [internet]. 1837;3(12): 473-519. [Acesso em: 21 fev. 2021]. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5458262m/f47.item.r=houat.langFR

  18. Houat L T. Un proscrit de l’île de Bourbon à Paris. [internet]. Paris: Imprimerie de Félix Malteste ET; 1838. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5544143n.r=houat.langFR

  19. Silva JC. Uma manifestação literária contra a escravidão: estudo da categoria espacial no romance Bug-Jargal de Victor Hugo. [internet]. Dissertação [Mestrado em Literatura] – Universidade de Brasília; 2014. [Acesso em: 21 fev. 2021]. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/17757

  20. Isaia AC. Espiritismo: Educação e Estado Laico. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH. [internet].2017; 10(28): 63-80. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: http://dx.doi.org/10.4025/rbhranpuh.v10i28.36934

  21. Dias JRLD. Percursos da racionalização do sagrado no espiritismo: um conjunto de ideias presentes na literatura e na imprensa brasileira (1857-1915). Tese [Doutor em História] – PUCRS; 2011. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/3864/1/000434799-Texto%2BParcial-0.pdf

  22. Houat L T. Etudes et séances spirites: Morale – Philosophie – Médecine – Psychologie. [internet]. Paris: Dentu; 1866. [Acesso em: 21 fev. 2021]. Disponível em:https://books.google.com.br/books?id=iSVRAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false

  23. Kardec A. Catálogo Racional das Obras para se Fundar uma Biblioteca Espírita. [internet]. Paris; 1869. Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: http://bvespirita.com/Catalogo%20Racional%20das%20Obras%20Para%20Se%20Fundar%20Uma%20Biblioteca%20Espirita%20(Allan%20Kardec).pdf

  24. BASTOS, C. S. Coadjuvantes da codificação espírita – Coleção CSI. V1. [internet]. Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://www.allankardec.online/pdf/123

  25. Houat LT. Nouvelles données de matière médicale homoeopathique et de toxicologie ou des propriétés physiologiques et curatives d’un certain nombre de substances encore peu connues et peu étudiées en médecine. [internet]. Paris: J. B. Baillière Et Fils; 1866-1868. 2 vol. Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em:
    https://numelyo.bm-lyon.fr/f_view/BML:BML_00GOO0100137001101727662

  26. Houat LT. Des propriétés physiologiques et curatives du culex pipiens, de l’hydrocotyle asiatica et pathogénésie nouvelle de viola odorata. [internet]. Paris: J.-B. Baillière et fils; 1883. Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://archive.org/details/BIUSante_44750/mode/2up

  27. Editors of Encyclopaedia Britannica. Pau. France. [internet]. [Acesso em: 26 fev. 2021]. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Pau

  28. Le actes de décès de Ville de Pau (1883-1893). p. 57. [internet]. [Acesso em: 02 mar. 2021]. Disponível em: http://earchives.le64.fr/archives-en-ligne/ark:/81221/r26474zn8m20ck/f57?context=ead::FRAD064003_IR0002_e0109699
    Neste item gostaríamos de agradecer ao pesquisador Carlos Seth Bastos que conseguiu localizar a certidão de óbito do Sr. Houat que foi decisiva para demarcarmos com precisão a data do seu falecimento.